Por Carlos Rduardo Queiroz Pessoa
Atualmente,
o processo eleitoral é vivenciado no Brasil como uma expressão de liberdade
civil. O povo pode definir os destinos políticos da nação através do voto. No
entanto, se observarmos, atentamente, a história da formação social do país, é
necessário reconhecer que ocorreram experiências de instabilidade política com
a instituição de regimes autoritários, repressivos e violentos, até a
estabilidade democrática.
No
período imperial, somente cerca de 1% da população detinha acesso ao voto.
Posto que os menores de 21 anos, indígenas, mulheres, escravos, analfabetos,
mendigos, bem como os membros do clero regular não votavam. Um outro requisito
econômico ainda impedia grande parcela da população de exercer seu sufrágio:
era necessário auferir-se uma renda mínima de 1000 réis por mês; e apenas o
cidadão livre exerceria o seu direito de votar, pois os escravos eram excluídos
do processo eleitoral completamente.
As
condições socioeconômicas eram determinantes para o efetivo exercício da
cidadania e participação política. As eleições surgem regulamentadas por um
Código Eleitoral de normas esparsas, chamado Ordenações do Reino. Elaborado por
Portugal no final da Idade Média, porém utilizado até 1828. Entretanto, o uso
deste sistema normativo somente foi adotado uma única vez. Ocasião em que o
povo teve de votar pela representação de nacional junto à Corte Portuguesa.
Por
determinação de D. Pedro I, a primeira legislação eleitoral foi escrita em
1822. A finalidade foi regulamentar a eleição de uma Assembleia Geral
Constituinte e Legislativa. Apenas em março de 1824, quando foram realizadas de
fato eleições, D. Pedro promulgou a nova Constituição. Quase 30 anos depois, em
1855, a Assembleia Legislativa, finalmente, decide elaborar um decreto
conhecido por Lei dos Círculos, estendendo-se o voto por distritos ou círculos
eleitorais.
No
entanto, o Imperador revogou esse sistema normativo eleitoral logo após as
eleições. Influenciado pelas inúmeras críticas acerca do enfraquecimento dos
partidos políticos, que até então reinavam com soberania, ou seja, com pleno
poder de atuação e mando político por todo o território. A Lei de Círculos foi
instituída estabelecendo em seguida eleições de três Deputados por distrito.
Novas
exigências legais previam como condição para disputar as eleições para Deputado
que as autoridades se desincompatibilizassem de seus cargos com seis meses de
antecedência das eleições. Essa lei foi substituída quinze anos após sua
implantação pela chamada Lei do Terço. Esta estabeleceu que as eleições se
configurariam por províncias para a escolha de Deputados à Assembleia Geral e
para a disputa dos membros da Assembleia Legislativa.
As
coligações ou partidos vitoriosos teriam direito a preencher dois terços dos
cargos e o restante seria ocupado por partidos minoritários. Outra mudança
acontece em 1881 com a introdução, no mundo jurídico, da chamada Lei Saraiva,
que estabelecia eleições diretas e também o voto secreto. Neste período
inclusive se utilizava um título de eleitor com requisitos obrigatórios de
identificação pessoal, constando nome, filiação, nascimento, profissão e estado
civil.
Em
1889, a queda da monarquia, apesar de não se caracterizar como uma revolução,
especificamente, popular retratou-se mais como um golpe de Estado. Organizado
por militares, altamente, descontentes com a indiferença do Imperador em
relação ao exército e a primazia concedida aos doutores em detrimento dos
coronéis. Por isso, com a Proclamação da República tendo caído nas mãos de
aventureiros militares, o Brasil atravessou alguns anos de ditadura e
perturbações, mas, desde 1894, recuperou, sob o regime republicano, um
equilíbrio político que conservou até 1930.
Diante
do advento da Proclamação da República, nem todos os cidadãos podia votar:
menores de 21 anos, mulheres, analfabetos, entre outros. O voto não era
secreto; o que fazia com que muitas pessoas que possuíam o direito de votar se
sentissem coagidas; justamente por serem expostas aos outros membros da
comunidade local por pessoas de maior prestígio político e econômico.
Duas
características eleitorais no sistema político despertam a atenção na Primeira
República, especialmente, no ano de 1904: o voto cumulativo, isto é, votar no
mesmo candidato várias vezes; e o mecanismo de voto secreto; além do voto
descoberto: o eleitor apresentava duas cédulas que deviam ser assinadas perante
a mesa eleitoral. Depois de datadas e rubricadas pelos mesários, uma cédula
ficava na urna e a outra ficava em poder do eleitor. Com isso, as lideranças já
tinham um controle estrito do voto dos eleitores, pois se podia exigir dos
eleitores a cédula como prova do voto escolhido.
O
processo eleitoral era marcado pelas fraudes, destacando-se dois principais
mecanismos: bico de pena e degola. Um consiste na alteração de datas feitas
pela mesa eleitoral e o outro trata da ausência de reconhecimento dos diplomas
dos parlamentares. A prática de fraudes eleitorais era tão generalizada que
alguns presidentes chegaram a se eleger com 98% até 99% dos votos, como nos
casos emblemáticos de Washington Luís e Rodrigo Alves.
O
pequeno número de eleitores e a facilidade de acesso às cédulas eleitorais que
poderiam ser manuscritas ou recortadas de jornais, tornavam-se fatores que
promoviam a promoção indiscriminada das fraudes.
O
surgimento do período republicano ficou caracterizado pela concepção degenerada
do processo eleitoral. O eleitor era considerado como desinformado, dependente
e que voto era utilizado como meio de adquirir benefícios para a elite
política. Havia profundo desinteresse das classes populares pela política e era
grande a ausência dos cidadãos para votar. Além disso, a classe feminina também
estava excluída, garantindo seu direito ao voto somente em 1932. Embora a
primeira participação das mulheres em eleições acontecera em 1935.
No
contexto dessa conquista feminina histórica, no mesmo ano, criam-se a Justiça
Eleitoral, os Tribunais Regionais Eleitorais e o Tribunal Superior Eleitoral. O
alistamento também assume características diferentes com o Código Eleitoral na
década de 30. É realizado por iniciativa do cidadão ou automaticamente.
Ocorreram mudanças no sistema de votação, introduziu-se a prerrogativa
institucional do sigilo do voto aperfeiçoada por duas medidas importantes: a
obrigatoriedade de um envelope oficial e a requisição de um lugar inviolável na
hora do sufrágio.
O
processo eleitoral brasileiro consolidou-se a partir de 1932, finalmente,
quando o Código Eleitoral implantou o voto obrigatório. Tornado-se norma
constitucional em 1934 para buscar-se garantir a legitimidade representativa no
âmbito político e consequente ampliação da participação popular nas eleições.
Em 1937, o então Presidente Getúlio Vargas, após o golpe civil-militar, criaria
o Estado Novo e fecharia o Congresso. Abolia, através da Constituição de 1937,
a Justiça Eleitoral dentre os órgãos vinculados ao Poder Judiciário.
A
pressão pelo retorno da democracia foi bastante significativa após a 2ª Grande
Guerra. O que leva Vargas a convocar eleições através de organizações
partidárias; e em 1945, o general Dutra é eleito, por cédulas produzidas pelo
próprio partido; o que muda em 1955 quando a Justiça Eleitoral produz as
cédulas e se começa a exigir fotos, como maneira de barrar as fraudes; para
além deste exercício, institui-se o voto por seção.
Em
1964, com o golpe civil-militar, impede-se o voto direto para Presidente da
República. Foi um tempo forjado pela censura à imprensa, as artes e a livre
manifestação dos cidadãos. Na década de 70 foi sendo minada, pouco a pouco, a
influência dos militares na política, bem como a extinção do bipartidarismo, já
se podia votar em Prefeitos e Senadores, exceto em capitais. Em meados da
década de 80 acontece no Brasil um grande movimento de protestos
reivindicatórios de mais liberdade civil e autonomia política. Quando em abril
de 1984 milhões de brasileiros protagonizam expressiva mobilização popular no
país em defesa das eleições diretas.
A
história política brasileira marcada, profundamente, por instabilidades através
de golpes, deposições, repressão e autoritarismo, gestava em seu próprio âmago,
uma sociedade capaz de mobilizar-se e unir forças para reivindicar o direito de
eleger o Presidente da República. Foi um evento que demonstrou a capacidade de
articulação política e social da população. Além de permitir fortalecer a
formação da opinião pública um pouco mais atenta às questões políticas.
Essa
mobilização popular ficou conhecida como Diretas Já‖. Ocasião em que a
população e vários seguimentos de organização civil se uniram e saíram às ruas
em protesto pela realização de eleições diretas para Presidente. O que não se
deu de fato, pois o Congresso Nacional não aprova o Projeto de Lei do Deputado
Federal Dante de Oliveira. Por um colégio eleitoral no Congresso Nacional, o
Presidente da República, Tancredo de Almeida Neves, acaba sendo eleito de forma
indireta.
Somente
em 1985 uma Emenda Constitucional restabelecia eleições diretas para as
prefeituras de cidades consideradas como área de segurança nacional pelo Regime
Militar. Podiam votar maiores de 16 anos e, pela primeira vez na história da
República, analfabetos. A primeira eleição direta para Presidente da República
apenas acontece no ano de 1989, com a inscrição de 23 candidatos, saindo
vitorioso o candidato Fernando Collor de Mello (PRN). Sofrendo dois anos depois
de assumir a Presidência, o processo de Impeachment, mesmo tendo renunciado ao
seu mandato.
A
década de 90 enseja relevantes mudanças quanto ao voto: as urnas eletrônicas
são utilizadas em 1996 nas eleições municipais e em 2000 em todo país. Busca-se
assegurar mais efetivamente a integridade do processo político durante as
campanhas eleitorais no Brasil. O que de fato representou significativo avanço
tecnológico, facilitando ao eleitor o voto e acelerando de maneira notável o
processo de apuração.
Ainda
no intuito de aumentar a segurança no sistema, a Justiça Eleitoral adotou a
urna biométrica, visando possibilitar maior lisura, transparência e segurança
no processo de votação e apuração. No plano político-institucional diversos
setores da sociedade civil brasileira uniram-se com o objetivo de punir os
políticos que malfadaram a administração pública, aumentar a idoneidade dos
candidatos e combater a corrupção. Ao criar, mais recentemente, a lei da Ficha
Limpa.
Originada
de um projeto de lei de iniciativa popular, idealizado pelo juiz Márlon Reis,
além de outros juristas, reuniu cerca de 1,6 milhão de assinaturas com a
finalidade de aumentar a idoneidade dos candidatos. Foi aprovada no Congresso e
sancionada pelo Presidente Lula em pleno ano eleitoral, em 2010.
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