
O
regime de proibições e incompatibilidades dos congressistas está
previsto no art. 54 da Constituição Federal, que trata de circunstâncias
e condutas que, uma vez verificadas, podem conduzir à gravíssima
consequência da perda de mandato.
Reza o inciso I do mencionado artigo que
o Deputado Federal não poderá, desde a expedição de Diploma, firmar ou
manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia,
empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária
de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas
uniformes.
O inciso II do mesmo dispositivo também
veda aos membros do Congresso Nacional, desde a posse, “ser
proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor
decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela
exercer função remunerada”.
A respeito das mencionadas vedações
cumpre esclarecer que, em se tratando da outorga dos serviços de
radiodifusão sonora prevista na alínea a, do inciso XII do art. 21 da
Constituição Federal, a concessão está condicionada a prévio
procedimento licitatório, observada a igualdade de concorrência entre os
participantes. Ou seja, desde a edição do Decreto nº 2.108, de 1996,
que alterou o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão, estabeleceu-se a
obrigatoriedade de realização de licitação para outorgas de
radiodifusão comercial, utilizando-se do procedimento constante da Lei
nº 8.666, de 1993 – Lei de Licitações.
Os contratos de concessão ou permissão,
portanto, são regidos por cláusulas uniformes, idênticas para todas as
licitações, em obediência às cláusulas derivadas do edital de licitação e
lastreadas nas limitações e ditames da Lei de licitações.
Contratos com cláusulas uniformes são
aqueles oferecidos, indistintamente, a todos os cidadãos, com condições
idênticas, nos quais a possibilidade de transigir é restringida em
detrimento de uma das partes. Tratam-se dos chamados “contratos de
adesão”. Ao contratante cabe apenas aderir às condições do contrato,
apresentadas pelo fornecedor do bem ou serviço.
Para Orlando Gomes, professor, jurista,
escritor e defensor constitucional, o “contrato de adesão é o negócio
jurídico no qual a participação de um dos sujeitos sucede pela aceitação
em bloco de uma série de cláusulas formuladas antecipadamente, de modo
geral e abstrato, pela outra parte, para constituir o conteúdo normativo
e obrigacional de futuras relações concretas” (in Contrato de adesão, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1972, p.3).
A impossibilidade de negociar as
cláusulas contratuais assegura que a condição de parlamentar não
interferirá nas condições pactuadas, já que estas são iguais para todos
os contratantes, justificando, dessa forma, a permissão para contratar
concedida pelo art. 54, I, “a”, da Constituição Federal, quando se
tratar de cláusulas uniformes.
Neste sentido, também não há como se
admitir que um contrato celebrado com empresa vencedora de certame e em
obediência às normas gerais de licitações e contratos, implique a
concessão de um favor do Poder Público à empresa contratada.
No que diz respeito à legislação
específica, o Código Brasileiro de Telecomunicações, especificamente no
parágrafo único do art. 38, da Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962,
dispõe que aquele que estiver no gozo de imunidade parlamentar ou de
foro especial, não poderá exercer a função de diretor ou gerente de
concessionária, permissionária ou autorizada de serviço de radiodifusão.
Corroborando o entendimento, mormente
quanto ao objetivo das vedações previstas no art. 54, da Carta Magna, a
Lei Complementar nº 64/90, impõe a inelegibilidade, apenas àqueles que
hajam exercido, dentro de 6 (seis) meses anteriores ao pleito, cargo ou
função de direção, administração ou representação, em pessoa jurídica ou
em empresa que mantenha contrato de execução de obras, de prestação de
serviços ou de fornecimento de bens, com órgão do Poder Público ou sob
seu controle, salvo no caso de contrato que obedeça a cláusulas
uniformes.
Com base no exposto, cumpre esclarecer
que na prática e, no entendimento jurídico institucional da Câmara dos
Deputados, não há vedação quanto à propriedade de emissora de rádio a
parlamentar, coibindo tão somente a participação desse parlamentar na
gestão da empresa concessionária desses serviços.
Esse igualmente é o entendimento do
Ministério das Comunicações, inclusive manifestado perante o Ministério
Público Federal, por ocasião de Ação Civil Pública, que questionava a
validade de concessões e renovações de outorga, cujo ato legislativo
tenha contado com a participação dos parlamentares interessados:
“No que tange ao caso específico das
vedações constitucionais atinentes aos deputados e senadores, previstos
no art. 54, I, ‘a’ e ‘b’ da CF, é de entendimento da Consultoria
Jurídica deste Ministério não serem impeditivos para que os
congressistas participem da composição societária das empresas de rádio e
televisão, ressalvado a impossibilidade de serem diretores, nos termos
do já citado Parágrafo único do art. 38 da Lei 4.117/62. Com efeito,
verifica-se que a impossibilidade dos membros do Poder Legislativo de
firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público (União)
comporta uma ressalva no que diz respeito aos contratos que obedeçam a
cláusulas uniformes. Assim, considerando que todos os contratos de
concessão ou permissão de rádio e televisão, são regidos por cláusulas
uniformes, idênticas para todas as licitações, não há, a princípio,
impossibilidade dos congressistas participarem da composição dessas
empresas, desde que não ocupem qualquer cargo, função ou emprego de
natureza remuneratória, o que, salvo melhor juízo, não se amolda a
figura do cotista não diretor. Desta feita, considerando que os
contratos são celebrados sempre com uma pessoa jurídica (empresa) e
nunca com a pessoa física do deputado ou do senador, a atuação do
Ministério restringe-se às hipóteses em que os parlamentares participem
efetivamente do controle diretivo da empresa ou ainda que exerçam
função, cargo, emprego remunerado, o que é vedado pela alínea ‘b’ do
aludido dispositivo constitucional, bem como pelas demais normas de
regência de radiodifusão.
[…]
A legislação específica de
radiodifusão não veda expressamente a participação de familiares de
parlamentar. Tal exegese é possível, por força do impedimento literal
restritivo dos parlamentares, no exercício de qualquer cargo, função ou
emprego de cunho remuneratório. Daí infere-se que não há vedação legal
quanto a essa participação.
[…] Quanto à participação de
parlamentar na gerência ou na sociedade de entidades detentores de
outorga de radiodifusão, o Ministério das Comunicações entende que
somente é possível na qualidade de sócio, conforme anteriormente
explicitado (ver resposta ao item 1, terceiro parágrafo in fine, e
quarto parágrafo, de fl. 2). […]””
Além das ações civis públicas intentadas
pelo Ministério Público Federal, tramita perante o STF a Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 246, de relatoria do
Ministro Gilmar Mendes, em que se questiona a outorga e a renovação de
concessões de radiodifusão a pessoas jurídicas que tenham políticos com
mandato como sócios ou associados. Pede, ainda, a proibição da
diplomação e a posse de políticos que sejam, direta ou indiretamente,
sócios de pessoas jurídicas concessionárias de radiodifusão.
Entretanto, ainda não há qualquer
decisão emanada sobre a matéria, tendo o Ministério Público Federal se
manifestado contrariamente, haja vista a falta de delimitação do objeto
da ação.
Gonzaga Patriota é
Contador, Advogado, Administrador de Empresas e Jornalista, Pós-graduado
em Ciência Política e Mestre em Ciência Política e Políticas Públicas e
Governo e Doutor em Direito Civil, pela Universidade Federal da
Argentina. É parlamentar desde 1982.
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